Advogada suspensa da OAB-SP vive com faxinas de R$ 60,00
Todos os dias, a advogada Rosana da Silva, de 54 anos, senta-se em um banquinho
de plástico em um cruzamento da zona sul de São Paulo e levanta uma placa de
papelão com um anúncio: "Faxina. Sete horas. R$ 60."
Há quem pare e olhe, curioso. Há quem tire fotos e publique nas redes sociais
ou anote o número dela para um serviço futuro.
Mas a trajetória de Rosana é mais complexa do que o pedido público de emprego:
ela era secretária, ralou para pagar a faculdade de Direito e formou-se
advogada, mas entrou em uma derrocada que a levou às ruas e à
faxina.
Fracasso profissional
Ela se formou em Direito em 1995 na Unifieo, uma universidade particular em Osasco, na Grande São
Paulo. Pagou o curso com seu salário de secretária, com a "dureza de gente
pobre", nas palavras dela. Em seguida, conseguiu seu registro na Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) com a inscrição 139416, número que ela cita de cor
dez anos depois de ter abandonado a carreira.
Os primeiros passos como advogada foi em um pequeno escritório que montou com
amigos da faculdade. Depois, conseguiu entrar em uma banca de colegas renomados
da área de Direito bancário, no centro da cidade.
Rosana conta que foi esse trabalho fez girar a espiral que a levou ao fracasso
profissional. No escritório, seria chamada de burra, incompetente e drogada, diversas vezes.
Rosana prefere que os nomes dos dois advogados não sejam citados nesta
reportagem. Diz que processou os antigos patrões e que fez representações
contra eles na comissão de ética da OAB-SP, mas nunca conseguiu vencer os
processos.
Ela costuma carregar a papelada de algumas ações em sua mochila - tem medo de
que eles desapareçam.
A OAB-SP afirmou a reportagem do G1 que não comenta casos que correm em
sigilo.
'Todas as portas fechadas'
Rosana nasceu em Itanhaém, no litoral paulista, mas foi criada por parentes,
longe dos pais. Sempre viveu praticamente sozinha e só retomou contato com um
dos irmãos depois que ele viu uma foto sua na internet, há pouco mais de um
ano.
Ela nunca mais conseguiu um trabalho como advogada depois que saiu de seu
último escritório. Acredita que foi perseguida pela OAB, onde seus patrões
tinham influência, diz. A instituição não comenta o caso.
Nada que Rosana fazia dava certo - tentou dar aulas, mas também foi demitida.
Ela resolveu se mudar para Florianópolis, pois não encontrou emprego nem apoio
em sua família adotiva. "Pensei: será que não estou tornando um problema
pequeno em algo muito grande?", conta a advogada, que chegou a passar em
psicólogos para entender porque sua carreira não deslanchava. "Achei que,
se eu saísse de São Paulo, talvez conseguisse me reerguer."
Mas ela não conseguiu. O dinheiro acabou, o aluguel acumulou e Rosana foi viver
nas ruas, onde ficou por sete anos.
Começou a fazer faxinas para conseguir comer.
'Morro de fome, mas pago o aluguel'
Viver nas ruas não é algo de que Rosana se orgulha - ela costuma dizer perdeu
sua cidadania quando deixou de ter um endereço fixo. "Como conseguir um
emprego se você diz que tem 54 anos e não mora em lugar nenhum? As empresas têm
uma cartilha de desculpas para não te contratar."
Foi por isso que ela criou a placa com o anúncio. Com ela, elimina-se qualquer
questionamento sobre seu histórico - Rosana torna-se apenas mais uma pessoa em
busca de trabalho.
Ela cobra R$ 60 por sete horas de limpeza - um preço baixo no centro expandido
de São Paulo. O piso mensal dos trabalhadores domésticos na cidade é de R$
1.140 por três dias de trabalho semanais, segundo o sindicato da
categoria.
Rosana precisa fazer ao menos dez faxinas por mês para conseguir pagar o
aluguel de um quartinho com cama, fogão e geladeira. Tem meses que não consegue
- seu irmão costuma ajudá-la. "
Esse medo se justifica: ela conta já ter enfrentado episódios de assédio e
tentativas de estupro - uma vez, por exemplo, um homem invadiu a barraca onde
dormia com uma arma, conta.
Outra dificuldade é escapar de uma rotina de violências e dependência de drogas
vivida por parte de outras pessoas na mesma situação.
Voltar para o Direito
O maior sonho de Rosana é voltar a trabalhar como advogada. Mas ela está
"suspensa" da OAB-SP porque deve dez anos de anuidade - cada ano
custa R$ 997,30, dinheiro que a advogada não tem.
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