"Esses movimentos deixam de fora nossas necessidades prioritárias', diz Edson Gomes sobre protestos"
O site Bahia Notícias, fez uma entrevista com o cantor Edson Gomes, sucesso nos anos 90. O que ele teria a dizer? Confira na transcrição da entrevista, compartilhada em nosso blog agora:
"Edson Gomes anda sumido. Natural
de Cachoeira, o regueiro já fez muito sucesso, muitos discos e shows, e hoje
vive longe dos holofotes em São Félix, cidade vizinha à sua terra natal. Trilha
sonora de muitos protestos e passeatas, algumas das músicas de Edson Gomes
podem ter mais de 20 anos, mas não perderam a vitalidade, nem saíram das
cabeças das pessoas. Basta iniciar o refrão “esse sistema é um vampiro”, que
todos seguem o “ô ô ô ô ô”, mesmo inconscientemente. O cantor, no entanto,
abusa da consciência, da espiritualidade e da maneira atenta de observar o
mundo para compor. “Há mais de 20 anos que estou nessa luta por direitos, por
melhorias, por qualidade de vida. E agora eu vejo a população nesse levante e
sinto uma satisfação muito grande em ver que a minha luta não foi e não tem
sido em vão”, contou ao fazer referência aos protestos que aconteceram no
Brasil durante as últimas semanas. Para ele, no entanto, essas manifestações,
ao se pautarem em tantos anseios, deixa de lado o que é prioridade para a
sociedade: saúde e educação. “Emergencial é a saúde, que está mesmo no buraco.
Mas não podemos construir uma nação produtiva sem educação. Educação para mim é
tudo”, sentenciou. Edson Gomes também
não deixou de falar sobre o lado espiritual e a conexão que tem com o
transcendental. “Não tenho mais
interrogação nenhuma relativa ao meu lado espiritual porque todas elas já foram
respondidas. As informações que existem na Babilônia são falsas, são enganosas.
Eu também tinha essas informações, mas eu encontrei o caminho verdadeiro, da
liberdade das coisas verdadeiras e hoje todas essas interrogações já foram
respondidas”, disse. Com a agenda de shows vazia, o cantor se aventura na
gravação de um novo disco, ainda sem previsão de lançamento. É aguardar...
Entrevista com o Cantor Edson Gomes
BN - Você é Cachoeirano, nascido
no Recôncavo da Bahia. Ainda na década de 80, você foi morar em São Paulo.
Resuma um pouco dessa sua trajetória pelo Brasil.
EG - Eu sou natural de Cachoeira.
Em 1975, houve um festival de inverno lá em Cachoeira no qual eu fui premiado.
Na década de 80, decidi ir morar em São Paulo, tentar carreira lá, mas não deu
certo e voltei. Antes disso, já havia morado no Rio e também não deu certo.
Então, resolvi voltar e fazer minha carreira musical aqui na Bahia mesmo. Hoje
eu moro em São Félix.
BN - Protesto social e político é
a tônica de muitas de suas composições. Inclusive, antes mesmo de encontrar o
reggae, você já sabia que queria cantar essas críticas. Como é a sua relação
com esses temas hoje, depois de mais de 20 anos de carreira?
EG - Para minha surpresa, eu vejo
que meu tema é atualíssimo. Inclusive, com essas manifestações, com esse
levante da população brasileira. Há mais de 20 anos que estou nessa luta por
direitos, por melhorias, por qualidade de vida. E agora eu vejo a população
nesse levante e sinto uma satisfação muito grande em ver que a minha luta não
foi e não tem sido em vão.
BN - Acha que o sentido que suas
músicas ainda alcançam hoje se deve a que motivo?
EG - O meu olhar é sempre para o
cotidiano, para o dia a dia, para o que está acontecendo ali ao nosso redor: a
violência, a pobreza, as mazelas, a corrupção...Tudo isso faz parte do cenário
nacional, não de agora, mas de sempre. O que acontece hoje é que todos esses
problemas cresceram. O Brasil se mostra um país que está caducando, perdendo os
valores morais e virando uma bagunça total: a palavra não vale nada, as pessoas
só vivem de aparência, aparência esta que nos leva a acreditar naqueles que se
dizem “salvadores da pátria”, mas na verdade são novos corruptos que se
levantam para corromper e para nos inibir .
BN - No início da sua carreira
você costumava a se apresentar com uma calça e uma camisa camufladas, estilo
militar. Porque adotar esse visual na época?
EG - Aquela era muito mais uma indumentária
de força, de resistência, um comportamento diferenciado. A farda representa a
força, mas a nossa maneira de mostrar não se resume e não se assemelha à força
brutal, opressora, mas sim a força libertadora, da união.
BN - Além de você, a Família
Gomes guarda muitos outros reggaeman: Timtim Gomes e Edy Brown (seus irmãos),
Isaque e Jeremias Gomes (seus filhos). Conte-nos um pouco sobre essa
"linhagem"...
EG - Na verdade, como eu sou o
pioneiro, todos eles vieram na mesma pegada, no mesmo tema. Uns compondo,
outros somente cantando. O Edy Brown é o compositor da família. O Isaque
compõe, mas o Jeremias não compõe ainda, é só intérprete.
BN - Muitas das suas músicas são
relatos de coisas que você viveu. Qual a situação mais marcante que você passou
e conseguiu cantar?
EG - Nem tudo que eu componho
aconteceu comigo. Meu olhar é um olhar crítico, no qual observo a vida das
pessoas, da sociedade. Eu tenho um olhar observador em relação ao que ocorre.
Então, eu não estou lembrado de um fato que aconteceu comigo e que eu tenha
relatado em música. “Ovelha Negra” eu compus para mim mesmo, ainda na época em
que eu vivia na casa de meus pais, por volta dos vinte anos de idade.
BN - Suas músicas também falam
bastante do amor e da plenitude do homem, tanto em seu lado cidadão, quanto
espiritual. O reggae abriu portas para você pensar/sentir mais esse lado
transcendental?
EG - Ah, com certeza.
Principalmente o meu reggae, que é feito em português, então ele tem que ser um
reggae com letra bem esclarecida para que ele transmita a importância e o real
objetivo da canção reggae, que é provocar o coração daquele que ouve. É um
processo lento, porque nós viemos de uma ditadura, na qual pouca importância se
dava ao pensamento, à meditação, ou seja, ao desenvolvimento humano. A educação
é precária e ninguém está mais preocupado em formar educadores, mas em só
formar mão de obra. Hoje ninguém pensa mais, é só nós observarmos o que a
juventude tem produzido em relação à música. Isso é resultado da falta de
pensadores. Então, a música reggae incute nas pessoas a necessidade de se
pensar e buscar perguntas e respostas dentro de si mesmo, viajando pelo lado
espiritual, procurando ouvir a palavra do Criador, já que junto com ele podemos
encontrar e aprender muitas coisas e responder a todas interrogações que nós
temos.
BN - Quais são suas
interrogações?
EG - Na verdade, eu não tenho
mais interrogação nenhuma relativa ao meu lado espiritual porque todas elas já
foram respondidas. As informações que existem na Babilônia são falsas, são
enganosas. Eu também tinha essas informações, mas eu encontrei o caminho
verdadeiro, da liberdade das coisas verdadeiras e hoje todas essas
interrogações já foram respondidas.
BN - Em maio, a Justiça
determinou a suspensão dos editais para criadores negros lançados pelo
Ministério da Cultura em novembro, mês em que se comemora a consciência negra.
Como muitas outras ações afirmativas do governo, o lançamento do edital foi
encarado por essa ação que acabou por suspendê-lo como ainda mais segregador.
Sendo negro e cantor de reggae, como você encara essa afirmação?
EG - Os magistrados foram
formados para executar a lei, mas eles não pensam. Estamos vivendo um caos no
que diz respeito a todos os serviços públicos. Uma pessoa exclusivamente
formada em uma faculdade não consegue interpretar os anseios de nossa
sociedade. Nós não queremos segregação nenhuma, nós queremos é igualdade e
oportunidades assim como têm os detentores do sistema e da informação. Os ditos
formadores de opinião não admitem que nós, negros, formemos a nossa opinião.
Para eles, basta que nós reproduzamos as opiniões deles.
BN - O Brasil, vive um momento de
"despertar" para esses problemas que você já cantava em suas músicas.
Como você percebe esse momento no país?
EG - É o início de uma
conscientização que ainda não é plena. Não é plena porque todos esses
movimentos deixam de fora todas as nossas necessidades prioritárias. Algumas
delas estão em questão, como o passe livre, a legalização e aceitação do casamento
gay. Mas essas pautas estão em questão e acaba-se esquecendo um pouco da saúde,
um pouco da educação, passando de leve pela segurança, que também é um caos.
Tudo isso é um bom levante, mas a partir daí podemos rever as nossas reais
prioridades.
BN - Saúde e segurança seriam,
para você, nossas reais necessidades hoje?
EG - Emergencial é a saúde, que
está mesmo no buraco. Mas não podemos construir uma nação produtiva sem
educação. Educação para mim é tudo. No momento, emergencial, a saúde, mas para
mim educação é tudo, inclusive um antídoto contra a pobreza.
BN - Hoje, em Salvador, as
músicas de protesto têm ressurgido com os meninos da cena hip hop, com o rap.
Você está em contato com esse pessoal? Quais os nomes de destaque, na sua
opinião?
EG - No Hip Hop eu não conheço
ninguém e no reggae eu não vejo ninguém com essa disposição de levantar uma
bandeira, de lutar. Eu vejo uma série de cantores levando a bandeira única da
curtição, mas não tem ninguém lutando.
BN - Além dos shows, quais
projetos você tem pensado agora?
EG - Eu tenho um projeto, que
acabei parando devido aos projetos de meus filhos. Para evitar o choque entre
irmãos, frutos de casamentos diferentes, então eu tive que interromper minha
ideia para cuidar dos projetos deles. Depois, quando já estava na fase de
ensaios desse meu trabalho, tive um problema com a banda, o que atrasou um
pouco as coisas. Agora eu estou retomando, mas devido ao tempo que já estou
trabalhando nisso, eu já estou tendo dificuldades em selecionar o repertório,
são muitas músicas já. Os shows eu continuo a fazer normalmente. Houve uma
redução, mas isso acontece muito com o meu reggae. Eu nunca estou com uma
agenda cheia devido à repressão, à retaliação. Então tenho, realmente, um pouco
de dificuldade de estar com a agenda cheia, mas estou sempre atuando.
BN - Quais são os temas dessas
suas últimas composições?
EG - A minha bandeira é única,
enquanto houver repressão, pobreza, educação precária, o meu tema vai ser
sempre esse."
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