Multinacionais alemãs beneficiaram-se do golpe de 1964
DOSSIER | 29 MARÇO, 2014 - 17:50
Mercedes, Volkswagen, Bayer, Siemens e Mannesman foram algumas das
empresas que financiaram e se beneficiaram com a ditadura. Por Américo Gomes,
da Comissão de Presos e Perseguidos Políticos da Ex-Convergência Socialista.
Fábrica da Volkswagen: empresa fornecia "Fuscas" gratuitos para a
polícia política
O golpe de 1964 foi um movimento pró-imperialista, tendo à frente os
militares como instrumento a serviço do capital financeiro e industrial. A tal
ponto isso era verdade que, na fase conspiratória, foram criados três órgãos
que serviram para a lavagem de dinheiro das multinacionais para as atividades
contrarrevolucionárias no Brasil.
Eram eles o IPES (Instituto de Pesquisas Económicas e Sociais), a ADEP
(Ação Democrática Parlamentar) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação
Democrática). O IBAD foi fundado em 1959 por empresários, porta-vozes do
capital estrangeiro, intelectuais e políticos de direita, e tinha o suposto
objetivo de combater uma pretensa infiltração comunista no Brasil. O seu
presidente era o deputado baiano João Mendes. Este Instituto ajudou Jânio
Quadros a se eleger, assim como Carlos Lacerda e Ademar de Barros.
O IPES foi fundado em novembro de 1961 por Augusto Trajano de Azevedo
Antunes, da Caemi Mineração, a maior empresa privada do ramo de mineração, e
que nos anos 1960 se uniu à Bethlehem Steel, fundando a MBR (Minerações
Brasileiras Reunidas S.A); e Antônio Gallotti. A sua função primordial era
integrar os movimentos sociais de direita e criar as bases da oposição que
pudesse deter "o avanço do comunismo soviético no Ocidente". Pouco
após a sua fundação, passou a ser dirigido pelo general Golbery do Couto e
Silva.
Moniz Bandeira calcula que o IBAD e a Ação Democrática Parlamentar
(ADEP) gastaram em torno de 20 milhões de dólares nas eleições parlamentares de
1962 com o fornecimento de material impresso, veículos e apoio operacional. O
dinheiro das multinacionais era depositado no Royal Bank do Canadá. Com isso,
calcula-se que a ADEP contava com aproximadamente 150 deputados no Congresso
Nacional.
Em virtude disso, em 1963 foi constituída uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) para investigar os candidatos que teriam recebido financiamento
do IBAD, presidida pelo deputado Ulysses Guimarães. A CPI do IBAD tomou
centenas de depoimentos e apurou denúncias de doações ilegais. Mesmo com boa
parte da documentação da entidade sendo queimada pouco antes do início da
investigação, pode-se constatar que o financiamento do IBAD provinha
principalmente de empresas multinacionais norte-americanas, como: Texaco, Esso,
Coca-Cola e IBM. Mas também de multinacionais alemães, como a Bayer AG .
Com base em informações apuradas pela CPI, em agosto de 1963 o
presidente João Goulart determinou que as atividades do IBAD fossem suspensas
por três meses, prazo prorrogado por mais três meses e, finalmente, em 20 de
dezembro de 1963, o IBAD e a ADEP foram dissolvidos por ordem da Justiça.
O IPES de Golbery recebeu apoio financeiro de 297 corporações
americanas. Mas seguindo o exemplo do instituto irmão, também recebeu
contribuições de multinacionais de outros países. Entre elas as empresas
alemãs. As contribuições eram realizadas via Fundação Konrad Adenauer, do
Partido Democrata Cristão alemão, que os repassava ao IPES. Entre as empresas
que fizeram esta movimentação financeira encontraremos a siderúrgica Mannesmann
e a Mercedes Benz. Golbery encarregou-se pessoalmente do contacto com o
presidente da Mercedes.
Com este capital, aliciou parlamentares, governadores, jornalistas,
padres, estudantes e dirigentes sindicais brasileiros. Além da Bayer,
Mannesmann e Mercedes Benz, depositava diretamente na conta destes institutos a
AEG (Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft), uma das mais importantes empresas
eletrotécnicas da Alemanha.
De acordo com o livro de René Armand Dreifus, “1964: A Conquista do
Estado, ação política, poder e golpe de classe” as seguintes multinacionais
petrolíferas depositavam nas contas destes institutos: Exxon/Mobil, Royal-Dutch
Shell, Standard Oil of New Jersey, Texas Oil Co, Gulf Oil Bayer, parceiras dos
grandes bancos imperialistas, entre eles, o alemão Deutsche Bank, proprietário
de parte das grandes multinacionais do petróleo.
A Siemens, multinacional alemã, foi denunciada mesmo durante a
ditadura por corromper funcionários da ditadura no governo Geisel.
O lucro com o sangue das ditaduras
Para se ter ideia de quem estamos falando, na historia da Bayer há uma
clara identificação com agentes de guerra química, inumeráveis inseticidas e
venenos caseiros. A empresa lucrou muito com acordos com grandes ditadores e
criminosos de guerra, como Hitler e Pinochet. Seu diretor, Carl Duisberg, fez
propaganda pessoalmente dos trabalhos forçados e escravo durante a Primeira
Guerra Mundial.
Em virtude do apoio que deu à ditadura, a unidade inaugurada em junho
de 1958 no distrito de Belford Roxo - Baixada Fluminense (RJ) passou ser um
moderno Parque Industrial da Bayer, hoje ocupando 1,9 milhão de metros
quadrados, assim como teve a possibilidade de instalar a fábrica da Bayer no
bairro do Socorro, na cidade de São Paulo, onde transferiu sua sede
administrativa em 1973.
Já o Grupo BASF consolidou sua presença na região do ABC paulista
entre as décadas de 70 e 80 através de quatro plantas. O período coincidiu com
intervenção em sindicatos e perseguição a sindicalistas, ao mesmo tempo em que
aperto salarial e um alto custo de vida assolavam os trabalhadores. A atuação
sindical de trabalhadores da BASF na região foi fortemente reprimida.
Militantes sindicais da Glasurit, pertencente ao Grupo BASF, atuavam
clandestinamente através do GAS (Grupo de Atuação Sindical).
Impulsionada pela ditadura em 1976, surgiu a BASF Química da Bahia S/A
no Pólo Petroquímico de Camaçari (BA). Entre 1977 e 1979, alavancada pelo
'milagre económico', a BASF inaugurou quase ao mesmo tempo três fábricas: a de
Santa Cruz, no Rio de Janeiro; a de Sapucaia, no Rio Grande do Sul e a de
Jaboatão, no Recife.
Ditadura e nazismo
BASF e Bayer junto com outras multinacionais como a AGFA, Hoecht,
Casella, Huels e Kalle formaram, em 1925, o grupo químico IG Farben, com sede
em Frankfurt. Em 1932, a IG Farben criou o Círculo de Amigos do Reichsführer SS
e demitiu todos os diretores judeus. A IG Farben tinha 37 fábricas e um lucro
de 68 milhões de reichsmark (moeda alemã de 1924 a 1948). Este cartel da
indústria química submeteu, durante o regime nazista (1933-1945), 350 mil
pessoas a trabalhos forçados. Destas, pelo menos 20 mil morreram na fábrica do
grupo.
Para garantir seus lucros durante a II Guerra Mundial, a empresa
utilizou o trabalho escravo, localizando uma de suas instalações de borracha
sintética em Auschwitz, perto do infame campo de concentração. O gás letal
feito pela IG Farben foi usado nos campos de extermínio.
Por isso, após a guerra, um grupo de executivos da IG Farben foi
condenado por crimes de guerra nos Julgamentos de Nuremberg. Assim como o
Tribunal Internacional de Crimes de Guerra declarou a empresa culpada por sua
responsabilidade na guerra e por crimes da ditadura nazi.
Corrupção ontem e hoje
A AEG foi dissolvida em 1996, mas a marca continua a ser usada em
muitos produtos através de licenciados. Foi vendida, entre outras, para a sueca
Eletrolux e a alemã Bombardier Transportation, divisão de equipamentos para
transportes ferroviários do grupo Bombardier. A Bombardier Transportation
passou a ser a maior empresa do mundo na manufatura de equipamento de
transportes ferroviários e prestação de serviços de manutenção de ferrovias.
Hoje a Bombardier, junto com a Siemens, está metida em escândalos de
corrupção que envolvem o governo Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo. Assim
como o consórcio que formou com a Odebrech e Eike Batista e que ganhou a
questionável licitação do Maracanã.
Diga-se de passagem, a Siemens, que cresceu de maneira frenética na
esteira do chamado “milagre econômico”, abriu empresas no Paraná e Rio Grande
Sul, além de já começar a prestar serviço para os metrôs de São Paulo e Rio de
Janeiro, conseguindo abrir novas subsidiárias na crise da década de 1970.
Um de seus grandes negócios foi em 1975, no auge da ditadura, no
mandato de Ernesto Geisel, quando foi assinado, sob muito sigilo, o Acordo
sobre Cooperação para Uso Pacífico da Energia Nuclear Brasil-Alemanha, quando
foram investidos mais de 40 bilhões de dólares. Foi criada a empresa estatal
Nuclebrás e, do lado alemão, o cumprimento das atividades ficou a cargo da
Kraftwerk Union (KWU), empresa privada controlada pela Siemens.
A Siemens KWU se fundiu com o grupo francês Framatome, formando a
Areva. A Areva está envolvida na manutenção de Angra 1 e participou
recentemente da troca de um gerador de vapor da usina, serviço que custou à
Eletronuclear mais de R$ 700 milhões.
Cargas de combustível para Angra I negociadas com a Siemens
apresentaram problemas de fabricação quando a usina estava funcionando.
O modelo nazi da Volkswagen
A Volkswagen esteve diretamente envolvida no patrocínio da sangrenta
Operação Bandeirantes, a OBAN. O intercâmbio entre empresa e órgãos de
segurança ultrapassou o fornecimento rotineiro de Fuscas gratuitos para a
polícia política. A Volkswagen recrutou pessoal nas Forças Armadas e da polícia
para trabalharem em seus quadros. Em São Bernardo, a empresa que prestava
serviço de segurança à montadora era comandada pelo coronel Rudge, grande amigo
do coronel Erasmo Dias.
Manteve um aparato de espionagem dos empregados dentro das fábricas e
nos sindicatos. A Volks e a Chrysler, por exemplo, repassaram listas de
funcionários aos órgãos de segurança, às vezes com as respetivas fichas
funcionais.
Nada mais normal para uma empresa que foi fundada e dirigida por nazis
durante anos e construída toda a sua estrutura empresarial de maneira
autoritária. Foi o governo da Alemanha, então sob o controle de Adolf Hitler
que, em 1937, constituiu uma nova companhia automobilística estatal, cujo nome
oficial era Gesellschaft zur Vorbereitung des Deutschen Volkswagens mbH.
(Companhia para a Preparação dos Carros do Povo Alemão). Naquele mesmo ano, a
empresa foi renomeada simplesmente como Volkswagenwerk, ou "Companhia do
Carro do Povo”. Originalmente operada pela Frente Trabalhista Alemã, uma
organização nazista.
Quando o novo ciclo na ditadura no Brasil, com escalada repressiva e crescimento
recorde na economia (9,5%) começou em 1969, estreitou-se a ligação entre o
governo militar e os empresários. Representantes de Volkswagen, juntamente com
outras empresas, se reuniram com o chefe do Departamento de Ordem e Política
Social (Dops) no ABC paulista, Israel Alves dos Santos Sobrinho, e o major
Vicente de Albuquerque, do IV Regimento de Infantaria do Exército para acelerar
o funcionamento do Grupo de Trabalho (depois chamado Centro Comunitário) que
serviria de cobertura à colaboração entre empresas privadas do ABC paulista, o
Dops e o Exército. Segundo a ata da reunião, estabeleceram um Centro de
Coordenação no Dops. A cooperação da Volkswagen com a ditadura militar foi
permanente e intensa.
Outras empresas alemãs também lucraram
Na Telefunken, as viaturas do Exército ficavam no pátio. Desde 2005 o
nome da firma Telefunken não é mais usado. A marca Telefunken continua sendo
usada por empresas como a estadunidense Telefunken|USA. A licença da marca
Telefunken é administrada pela holding alemã Telefunken Holding AG, Berlim,
subsidiária da Live Holding AG, que adquiriu os direitos da Daimler AG em
dezembro de 2007. Uma das empresas licenciando a marca é a empresa alemã
TELEFUNKEN ID Systems.
Em 1967, a Globo do Rio faz experiências de TV em cores, utilizando o
sistema americano NTSC exibindo programas como a Discoteca do Chacrinha e Dercy
de Verdade. No entanto, o governo militar emitiu uma ordem para que o sistema
adotado para TV em cores no Brasil fosse o sistema da empresa Telefunken, desenvolvido
na Alemanha, chamado de PAL, numa variação especialmente feita para países
quentes, denominada de PAL M; além disso, proibiu quaisquer testes com outros
sistemas, marcando a implantação das cores em cinco anos, ou seja, em 1972.
Outra empresa que, em contrapartida ao apoio que deu à ditadura,
recebeu benesses foi a siderúrgica Mannesman. A sua fábrica no Barreiro, em
Belo Horizonte, tem capacidade de produzir 500 mil toneladas de tubos de aço
sem costura ao ano, utilizando carvão vegetal. Em 2000 passou a integrar o
grupo V&M do Brasil. Durante a ditadura, recebeu isenções de impostos e
financiamentos subsidiados pela ditadura.
Os austríacos e a ditadura
O Grupo Ultra, hoje um dos maiores grupos empresariais privados do
Brasil, teve entre seus diretores o dinamarquês Henning Albert Boilesen,
presidente da Ultragaz, financiador da Operação Bandeirante, denunciado como
auxiliar direto de torturas, justiçado por militantes das organizações que
faziam a luta armada. Trabalhava junto com Peri Igel. Igel era dono da
Supergel, empresa de alimentos congelados que fornecia refeições à OBAN.
Hoje controla a distribuição de combustíveis, com a Ipiranga e a
Ultragaz; tem indústria química Oxiteno; com a Ultracargo, empresas
subsidiárias da holding Ultrapar no terminal intermodal do porto de Santos e se
tornou a maior empresa de armazenagem de granéis líquidos do Brasil. A Ultragaz
foi fundada não por alemães, mas pelo austríaco Ernesto Igel em 1937.
Punição aos financiadores e reparação aos que lutaram
Como se vê, as grandes multinacionais alemãs (como as dos Estados
Unidos, França e Reino Unido) ganharam muito durante a ditadura e continuam
ganhando muito até hoje. Para se fazer justiça é muito importante restabelecer
a memória, mas também é necessário punição e reparação, tanto dos agentes do
Estado que cometeram crimes como também das empresas que patrocinaram e
financiaram o golpe e a ditadura que se instalou no país.
Na Alemanha instituíram-se vários fundos de reparação às vitimas no
nazismo. Entre eles o Holocaust Victims Compensation Fund: para vítimas judias
do nazismo; o Fund for Victims of Medical Experiments and Other Injuries
Application, para as vítimas das experiências médicas e outras lesões; mas
também o Hardship Fund: que visa a reparação para vítimas judias do nazismo que
emigraram de países do bloco soviético; e principalmente o Program for Former
Slave and Forced Laborers para as pessoas obrigadas a realizar trabalho num
campo de concentração em um gueto, ou um lugar semelhante de encarceramento em
condições comparáveis.
Calcula-se que no final de 1944 havia na Alemanha 7,7 milhões de trabalhadores forçados
em todo o país.
Hugo Boss, filiado ao partido nazi, o estilista preferido de Hitler,
durante a Alemanha Nazi confecionou exclusivamente os uniformes negros das SS
(Schutzstaffel), da Juventude Hitlerista e de outras agremiações nazistas.
Ganhou milhões entre 1934 e 1945 e, para dar conta das encomendas, utilizou-se
de mão de obra escrava dos prisioneiros de guerra, a maioria deles de mulheres
que trabalhavam 12 horas por dia.
Após o término da guerra, foi tachado de “oportunista do Terceiro
Reich“, multado em 80 mil marcos, condenado a indemnizar as famílias dos
trabalhadores forçados e privado de seus direitos civis.
Em 2011, a marca alemã Hugo Boss emitiu um pedido formal de desculpas
por ter usado mão de obra escrava. Apresentou um pedido de desculpas realizado
após o lançamento de um livro que revela a ligação do estilista alemão com o
nazismo. Em 2011 também, a Quandts, família de industriais e acionistas
maioritárias da BMW, admitiu ter feito uso de milhares de trabalhadores
forçados e de terem fechado vários negócios com o governo nazista.
O Deutsche Bank encomendou uma investigação interna sobre as práticas
de empréstimo durante o período nazista, onde foi revelado que créditos do
banco foram usados para erguer o campo de concentração de Auschwitz. O
Ministério alemão de Assuntos Estrangeiros também fez uma busca sobre seu
passado e descobriu que muitos de seus diplomatas dos anos 1950 e 1960 tiveram
passado nazista.
Para compensar as vítimas, o governo alemão estabeleceu um fundo de
reparação no final dos anos 1990. Empresas com passado nazista disponibilizaram
recursos para o fundo, entre elas a Hugo Boss.
No Brasil podíamos seguir o exemplo alemão e instituir fundos de
reparação montados pelas grandes multinacionais que lucraram com a ditadura
instaurada em 1964, para reparar e indemnizar trabalhadores e operários que
foram demitidos, presos ou torturados pelos agentes do Estado.
Um ótimo tema a ser debatido no “Ano Alemanha-Brasil“ em 2014, já que,
inclusive a presidenta Dilma Rousseff, declarou que deseja a possibilidade de
ter acesso aos arquivos alemães para ajudar a esclarecer os crimes da ditadura
militar brasileira. Época do acordo nuclear Brasil-Alemanha e quando
multinacionais como Siemens, Volkswagen e Mannesmann, entre outras, tiraram
proveito das repressões contra os movimentos sindicais e os trabalhadores.
Assim como o Presidente da República da Alemanha, Joachim Gauck (político
independente, sem partido político oficial), prometeu a muitos jornais
brasileiros, em maio de 2013, em seu discurso de abertura do "Ano",
que estaria inteiramente disposto a colaborar para elucidar as violações de
direitos humanos no Brasil. Mas nada fez até o momento.
É preciso deixar claro, contudo, que se não houver mobilização dos
movimentos nacionais nada continuará a ser feito.
Fonte: Esquerda.Net
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